Causou certa indignação em determinados setores da sociedade brasileira
a inauguração do porto de Mariel, em Cuba, na segunda-feira 27, com a presença
de Dilma Rousseff. O espanto se deu por que a obra foi erguida graças a um
financiamento do BNDES, que data ainda do governo Lula. Atribui-se o
investimento a uma aliança ideológica entre os governos petistas e a família
Castro, responsável pela ditadura na ilha. É um equívoco ver o empréstimo desta
forma. Trata-se de um ato pragmático do Brasil.
O porto de Mariel é um colosso. Ele é considerado tão sofisticado quanto
os maiores terminais do Caribe, os de Kingston (Jamaica) e de Freeport
(Bahamas), e terá capacidade para receber navios de carga do tipo Post-Panamax,
que vão transitar pelo Canal do Panamá quando a ampliação deste estiver
completa, no ano que vem. A obra, erguida pela Odebrecht em parceria com a
cubana Quality, custou 957 milhões de dólares, sendo 682 milhões de dólares
financiados pelo BNDES. Em contrapartida, 802 milhões de dólares investidos na
obra foram gastos no Brasil, na compra de bens e serviços comprovadamente
brasileiros. Pelos cálculos da Odebrecht, este valor gerou 156 mil empregos
diretos, indiretos e induzidos no País.
A obra “se pagou”, mas o interesse do Brasil vai além disso. Há quatro
aspectos importantes a serem analisados.
O primeiro foi exposto por Dilma no discurso feito em Cuba. O Brasil
quer, afirmou ela, se tornar “parceiro econômico de primeira ordem” de Cuba. As
exportações brasileiras para a ilha quadruplicaram na última década, chegando a
450 milhões de dólares, alçando o Brasil ao terceiro lugar na lista de
parceiros da ilha (atrás de Venezuela e China). A tendência é de alta se a
população de Cuba (de 11 milhões de pessoas), hoje alijada da economia
internacional, for considerada um mercado em potencial para empresas
brasileiras.
Esse mercado só será efetivado, entretanto, se a economia cubana deixar
de funcionar em seu modo rudimentar atual. Como afirmou o subsecretário-geral
da América do Sul do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Antonio
José Ferreira Simões, o modelo econômico de Cuba precisa “de uma atualização”.
O porto de Mariel é essencial para isso, pois será acompanhado de uma Zona
Especial de Desenvolvimento Econômico criada nos moldes das existentes na
China. Ali, ao contrário do que ocorre no resto do país, as empresas poderão
ter capital 100% estrangeiro. Dono de uma relação favorável com Cuba, o
Itamaraty está buscando, assim, completar uma de suas funções primordiais:
mercado para as empresas brasileiras. Não é à toa, portanto, que o Brasil abriu
uma nova linha de crédito, de 290 milhões de dólares, para a implantação desta
Zona Especial em Mariel.
Aqui entra o terceiro ponto, a localização de Mariel. O porto está a
menos de 150 quilômetros do maior mercado do mundo, o dos Estados Unidos. Ainda
está em vigor o embargo norte-americano a Cuba, mas ele é insustentável a longo
prazo. “O embargo não vai durar para sempre e, quando cair, Cuba será
estratégica para as companhias brasileiras por conta de sua posição
geográfica”, disse à Reuters uma fonte anônima do governo brasileiro. Tendo em
conta que a população cubana ainda consistirá em mão de obra barata para as
empresas ali instaladas, fica completo o potencial comercial de Mariel.
Há ainda um quarto ponto. Ao transformar Cuba em parceira importante, o
Brasil amplia sua área de influência nas Américas em um ponto no qual os
Estados Unidos não têm entrada. A administração Barack Obama é favorável ao fim
do embargo, como deixou claro o presidente dos EUA em novembro passado, quando
pediu uma “atualização” no relacionamento com Cuba. Ocorre que a Casa Branca
não tem como derrubar o embargo atualmente diante da intensa pressão exercida
no Congresso pela bancada latina, em sua maioria linha-dura. No vácuo dos EUA,
cresce a influência brasileira.
Grande parte das críticas ao relacionamento entre Brasília e Cuba ataca
o governo brasileiro por se relacionar com uma ditadura que não respeita
direitos humanos. Tal crítica tem menos análise de política externa do que
ranço ideológico, como prova o silêncio quando em destaque estão as relações
comerciais do Brasil com a China, por exemplo. Não há, infelizmente, notícia de
um Estado que paute suas relações exteriores pela questão de direitos humanos.
Se a regra fosse essa, possivelmente o mundo não seria a lástima que é.
Soma-se a isso o fato de que manter boas relações com Cuba é uma prática
do Estado brasileiro, não do governo atual. As relações Brasília-Havana foram
reatadas em 1985 e têm melhorado desde então. Em 1992, no governo Fernando
Collor, houve uma tentativa de trocar votos em eleições para postos em
organizações internacionais. A prática, como a Folha de S.Paulo mostrou em
2011, continuou no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), sob o qual o
Brasil também fechou parcerias e intercâmbios com Cuba.
De fato, em 1998 o então chanceler de FHC, Luiz Felipe Lampreia, se
encontrou com um importante dissidente cubano, Elizardo Sánchez, algo que o
governo brasileiro parece muito distante de fazer. Pode-se, e deve-se, criticar
o fato de o Planalto sob o PT não condenar publicamente as violações de
direitos humanos da ditadura castrista, mas não se pode condenar o investimento
no porto de Mariel. Neste caso, prevaleceu o interesse nacional brasileiro.
* José Antonio Lima é jornalista e editor do site
da CartaCapital.
Texto publicado no site do PT nacional
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